sexta-feira, março 23, 2007

Sistema Imunitário

Sistema Imunitário

O sistema imunitário é composto por órgãos linfóides (fig.1), células e moléculas que estabelecem entre si uma complexa rede de comunicações, e tem como finalidade permitir a nossa defesa contra infecções provocadas por agentes patogénicos como as bactérias, os vírus, os fungos ou por alguns parasitas eucariontes.



Fig.1 - Distribuição dos tecidos e órgãos linfóides (adaptado do "Manual Merck")

Componentes do sistema imunitário

As células do sistema imunitário têm origem na medula óssea onde muitas delas também amadurecem. Posteriormente, migram para supervisionar os tecidos, circulando no sangue e no sistema linfático.

As células pluripotentes hematopoiéticas estaminais da medula óssea dão origem a
células estaminais de potencial mais limitado (fig.2).

Fig.2 – Células efectoras(linhagem linfóide)


Mecanismos de defesa


Existem dois tipos diferentes de mecanismos de defesa:

 Mecanismos de defesa não específica;
 Mecanismos de defesa específica
.



Mecanismos de defesa não específica

Os agentes patogénicos são impedidos de entrar no organismo pelos mecanismos de defesa não específica, também designados por imunidade inata ou natural, ou são destruídos quando conseguem penetrar. Estes mecanismos desempenham uma acção geral contra corpos estranhos, independentemente da sua natureza, e exprimem-se sempre da mesma forma.
Os mecanismos de defesa não específica que impedem a entrada dos agentes patogénicos são as barreiras anatómicas (pele, mucosas e pêlos das narinas), as secreções (produzidas pelas glândulas sebáceas, sudoríparas, salivares e lacrimais) e as enzimas (existentes no suco gástrico).Os mecanismos de defesa não específica que actuam sobre os agentes patogénicos que conseguiram transpor as barreiras externas são a reacção inflamatória, a fagocitose, o interferão e o sistema complemento.


Reacção inflamatória

No local onde os agentes patogénicos conseguem penetrar no organismo vai produzir-se uma reacção inflamatória traduzida por uma sequência de acontecimentos que visam neutralizar ou destruir esses agentes. No tecido lesionado, alguns tipos de células como os mastócitos e os basófilos produzem histaminas e outras substâncias. Estes sinalizadores químicos, para além de funcionarem como atracção de neutrófilos e outros leucócitos para a área danificada - quimiotaxia, provocam a dilatação dos vasos sanguíneos e o aumento da permeabilidade dos mesmos. Como consequência, vai aumentar o fluxo sanguíneo, responsável pelo calor e rubor local, e a quantidade de fluído intersticial, originando um edema. A dor, normalmente associada, é devida à distensão dos tecidos e à acção de várias substâncias nas terminações nervosas.
Cerca de meia hora a uma hora após o início da reacção inflamatória, os neutrófilos e os monócitos começam a atravessar as paredes dos capilares – diapedese (fig.3), e a passar para os tecidos infectados. Os monócitos transformam-se então em macrófagos.

Fig.3 - Diapedese

Os macrófagos que já existiam nos tecidos que foram invadidos multiplicam-se e tornam-se móveis. Estas células, os macrófagos resultantes da diferenciação dos monócitos e os já existentes nos tecidos que são infectados, fagocitam os corpos estranhos e destroem-nos em vacúolos digestivos por acção de enzimas hidrolíticas - fagocitose (fig.4).


Fig.4 - Fagocitose


Os neutrófilos têm capacidade para fagocitar cerca de 20 bactérias enquanto os macrófagos têm capacidade para fagocitar cerca de 100.

Fig.5 – Células que participam na resposta inata



Fig.6 - Leucócitos (da esquerda para a direita: eosinófilos, neutrófilos e basófilos ´



Fig.7 - Leucócitos (esquerda - monócito; direita - macrófago - Microscopia Electrónica de Varrimento - retiradas da página da UNIFESP)


As células Natural Killer são linfócitos que não são específicos de antigénio e que reconhecem células estranhas de diferentes tipos. Estas células são uma importante linha de defesa contra células malignas (tumores) e contra células infectadas com vírus, bactérias e protozoários. Libertam grânulos líticos que matam as células malignas e infectadas (fig.8).

Fig.8 - Modo de actuação das NK (retirado da página de ImmuneCentral)


A febre é um mecanismo adaptativo, é um dos sintomas mais comuns nas reacções inflamatórias porque as toxinas, produzidas pelos agentes patogénicos, e os pirógenos (o mais conhecido é a interleucina 1), produzidos por alguns glóbulos brancos, fazem disparar a temperatura corporal. Essas substâncias pirogénicas agem no hipotálamo (o termóstato do corpo), reconfigurando-o para uma temperatura mais alta, e ao fazê-lo, desencadeia os mecanismos de aumento da temperatura do corpo (tremores e vasoconstrição) a níveis acima do normal.


A febre pode impedir a proliferação de micróbios e melhorar a resposta imunológica pelo aumento da capacidade bactericida, migratória dos glóbulos brancos e aumento na produção de interferão contra certos vírus. A sensação que a pessoa febril sente faz com que poupe energia e descanse, funcionando também através do maior trabalho realizado pelos linfócitos e macrófagos com a vasodilatação causada pelo aquecimento.

Após a reacção inflamatória pode ocorrer a reparação tecidular, ou formarem-se abcessos ou granulomas. Os abcessos ocorrem quando a lesão tecidular é muito grande e se forma uma bolsa de pus constituído por microrganismos invasores, leucócitos e restos de tecidos liquefeitos. O granuloma ocorre quando os microrganismos são incluídos em células fagocitárias, mas não são destruídos e em torno dessas células fagocitárias dispõem-se outras, sendo todo o conjunto circundado por uma cápsula fibrosa.


Interferão

Os interferões são proteínas produzidas por certas células quando atacadas por vírus ou por parasitas intracelulares. Estas proteínas não apresentam especificidade pois podem inibir a replicação de diversos vírus. Os interferões difundem-se, entram na circulação e ligam-se à membrana citoplasmática de outras células, induzindo-as a produzir proteínas antivirais que inibem a replicação desses vírus. O interferão não é uma proteína antivírica mas induz a célula a produzir moléculas proteicas antivirais.


Sistema complemento

Este sistema (fig.9) é constituído por cerca de 25 proteínas no estado inactivo que se encontram em maior concentração no plasma sanguíneo e também nas membranas celulares. No âmbito da defesa inespecífica, estas proteínas servem para facilitar a fagocitose de agentes estranhos ou para perfurar as paredes celulares das bactérias conduzindo à sua lise.


Fig.9 - Actuação do sistema complemento (retirado da página de "ImmuneCentral")

O sistema complemento também actua como mecanismo de defesa específica para complementar a actividade dos anticorpos na destruição das bactérias.


Mecanismos de defesa específica

A resposta imunitária específica subdivide-se em três funções: o reconhecimento do agente invasor como corpo estranho, a reacção do sistema imunitário que prepara agentes específicos que intervêm no processo e a acção desses agentes que neutralizam e destroem os corpos estranhos.
A imunidade específica refere-se então à protecção que existe num organismo hospedeiro quando este sofreu previamente exposição a determinados agentes patogénicos e pode ser mediada por
anticorpos (imunidade humoral) ou mediada por células (imunidade celular).



Imunidade Humoral (Humores – sangue e linfa)


Quando um antigénio entra num organismo e chega a um órgão linfóide, vai estimular os linfócitos B que possuem na membrana receptores específicos para esse antigénio. Como resposta, os linfócitos B dividem-se e formam células que sofrem diferenciação, originando plasmócitos e células – memória. Os plasmócitos têm um retículo endoplasmático desenvolvido e produzem anticorpos específicos para cada antigénio. Os anticorpos são posteriormente lançados no sangue ou na linfa e vão circular até ao local de infecção (fig.10).

Fig.10 - Resposta imunitária humoral


As células-memória ficam inactivas, mas prontas a responder rapidamente, caso venha a acontecer um posterior contacto com o antigénio.

Os anticorpos actuam de três formas distintas:
Os anticorpos ligam-se a toxinas bacterianas e levam à sua posterior neutralização. As toxinas livres podem reagir com os receptores das células hospedeiras enquanto que o mesmo não acontece com o complexo anticorpo-toxina.
Os anticorpos também neutralizam completamente partículas virais e células bacterianas através da sua ligação às mesmas. O complexo anticorpo-antigénio é ingerido e degradado por macrófagos.

A activação do sistema complemento no âmbito da defesa específica, é feita através do revestimento de uma célula bacteriana por anticorpos. Os anticorpos fixos formam receptores para a primeira proteína do sistema complemento o que leva ao desencadeamento de uma sequência de reacções que conduz à formação de poros e à destruição da célula


Imunidade mediada por células


Os linfócitos T têm capacidade para reconhecer alguns antigénios que se ligam a marcadores da superfície de certas células imunitárias . Se uma bactéria for fagocitada por um macrófago, os fragmentos resultantes da fagocitose ligam-se a certos marcadores superficiais desse macrófago que os exibe e apresenta aos linfócitos T. A exposição e ligação de linfócitos T com o antigénio específico estimula a sua proliferação.

Fig.11 - Resposta imunitária mediada por células

Existem diferentes tipos de linfócitos "T" que desempenham funções específicas:

  • Linfócitos T auxiliares (TH de helper) – estes linfócitos reconhecem antigénios específicos ligados a marcadores e segregam mensageiros químicos que estimulam a actividade de células como os fagócitos, os linfócitos B e outros linfócitos T.
  • Linfócitos T citolíticos (citotóxicos – TC) - estes linfócitos reconhecem e destroem células infectadas ou células cancerosas (vigilância imunitária, neste caso). Quando estão activos, migram para o local de infecção ou para o timo e segregam substâncias tóxicas que matam as células anormais.
  • Linfócitos T supressores (TS) - estes linfócitos, através de mensageiros químicos, ajudam a moderar ou a suprimir a resposta imunitária quando a infecção já está controlada.
  • Linfócitos T memória (TM) - estes linfócitos vivem num estado inactivo durante muito tempo, mas respondem de imediato aquando de um posterior contacto com o mesmo antigénio.

Memória imunitária

A resposta imunitária primária traduz-se pelo aumento da produção de anticorpos para um determinado antigénio até atingir um valor máximo, começando de seguida a baixar gradualmente.

O primeiro contacto com o antigénio provoca a proliferação e diferenciação de células efectoras (Linfócitos T auxiliares, Linfócitos T citolíticos, Linfócitos T supressores) e de células-memória.

As células – memória são responsáveis pela resposta imunitária secundária mais rápida, de maior intensidade e de duração mais longa, dado que o antigénio específico é reconhecido e há maior eficácia na proliferação de células efectoras para o seu combate e produção de mais células – memória.

As células efectoras duram apenas alguns dias enquanto as células – memória podem viver muito tempo, ou até toda a vida, armazenadas no baço e nos gânglios linfáticos, ficando o organismo hospedeiro imune a esse agente patogénico.


Selecção clonal/ Produção de anticorpos

Cada linfócito que penetra na corrente sanguínea é portador de receptores de antigénio com apenas uma única especificidade (monoespecífico). A especificidade desses receptores é determinada por um mecanismo genético que actua durante o desenvolvimento dos linfócitos na medula óssea e no timo. Cada linfócito é portador de um receptor de especificidade única e os milhões de linfócitos, cada um com uma especificidade diferente, formam o repertório. Nos órgãos linfóides periféricos é seleccionado um linfócito que expressa um receptor de superfície de uma única especificidade de ligação ao antigénio, estimulando-o a proliferar e a se diferenciar, focalizando assim a resposta imune adaptativa naquele agente patogénico. Este processo, selecção clonal , é utilizado também para impedir o surgimento de células auto-reativas. Os clones de linfócitos com receptores que se ligam fortemente aos constituintes próprios no timo e na medula óssea são eliminados por apoptose para que o conjunto circulante de linfócitos seja tolerante aos componentes próprios.

Fig.12 - Selecção clonal


Em suma, a imunidade (inata e adquirida -Tabela I) em sentido lato, consiste nos diversos processos fisiológicos que permitem ao organismo reconhecer, neutralizar e eliminar substâncias que lhe são estranhas e células lesionadas, envelhecidas, anormais ou mutantes.


Tabela I - Imunidade inata e adquirida


*Podem citar-se como exemplos as lisozimas e as interleucinas que se ligam a determinados padrões moleculares existentes em diversos agentes patogénicos.
Estes dois tipos de imunidade encontram-se relacionados e actuam em simultâneo:

Fig.13 - Relação entre imunidade inata e adquirida


Quimiotaxia

Trata-se de um mecanismo de locomoção orientada ao longo de um gradiente químico. Existem quimiotaxinas endógenas e exógenas. As endógenas são representadas por componentes do sistema complemento, histaminas, citocinas, entre outras, produzidas por macrófagos e leucócitos e que actuam nos leucócitos. As principais quimiotaxinas exógenas são produtos bacterianos.

Este mecanismo ocorre através da ligação do estímulo quimiotáctico a receptores específicos transmembranares dos leucócitos. No citoplasma do neutrófilo existem filamentos de actina e miosina, cuja polimerização é promovida pelo cálcio existente no tecido lesado, provocando, assim, a emissão de pseudópodes. Ao mesmo tempo, na outra extremidade da célula, há despolimerização destes filamentos. Estes dois factores articulados levam à locomoção do leucócito.

Antigénio


Um antigénio é uma partícula ou molécula capaz de iniciar a produção de anticorpos.


Os antigénios são substâncias que não são reconhecidas pelo sistema imunitário como pertencente ao organismo Um antigénio pode ser uma bactéria ou um fragmento desta, um vírus, um grão de pólen, glóbulos vermelhos de outros indivíduos, tecidos enxertados, órgãos transplantados ou até uma substância alimentar.



Anticorpos

Os anticorpos, ou imunoglobulinas, encontram-se particularmente no sangue. São glicoproteínas com uma estrutura em Y constituída por quatro cadeias polipeptídicas (Fig.14). Cada ramo da parte em V transporta um sítio activo complementar de um epítope, podendo assim cada molécula de anticorpo ligar-se a duas moléculas de antigénio transportando um epítope idêntico. A cauda do Y, não participa directamente na ligação com o antigénio mas permite a fixação a certas células. Cada linhagem de linfócito produz apenas um tipo de anticorpos reconhecendo somente um único epítope (Bergere, 1991).

Fig.14 – Estrutura de um anticorpo